Ordem dos Advogados do Brasil aponta inconstitucionalidade e alerta para riscos à liberdade religiosa após aprovação de norma municipal.
Vitória da Conquista (BA) — A recente aprovação da Lei Municipal nº 3.029, que permite o uso da Bíblia Sagrada como material didático complementar nas escolas da rede pública, provocou forte reação da subseção local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em nota divulgada nesta segunda-feira (18), a entidade declarou sua posição contrária à norma, alegando que ela fere princípios constitucionais e compromete a laicidade do Estado.
A lei, proposta pelo vereador Edivaldo Ferreira Júnior (PSDB), líder do governo na Câmara Municipal, foi aprovada por ampla maioria: 17 votos a favor e apenas um contrário, do vereador Alexandre Xandó (PT). A norma entrou em vigor no dia 1º de agosto e agora aguarda regulamentação por parte do Executivo, que tem até 60 dias para definir como será aplicada nas escolas.
Segundo a OAB, a iniciativa desrespeita a diversidade religiosa presente no município e extrapola as competências legislativas da Câmara, ao interferir em diretrizes educacionais que são atribuição da União. A entidade também citou decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal que derrubaram leis semelhantes em outros estados, reforçando o entendimento de que o ensino público deve permanecer neutro em relação a crenças religiosas.
Além da OAB, entidades ligadas à educação, como a Associação dos Docentes da Uesb (Adusb) e o Sindicato do Magistério Municipal Público (Simmp), já haviam se manifestado contra o projeto antes mesmo da votação. Em nota pública, o Simmp convocou a sociedade a refletir sobre os impactos da medida e a defender o caráter laico da educação pública.
A polêmica reacende o debate sobre os limites entre fé e ensino público, especialmente em cidades com forte presença religiosa. Enquanto apoiadores da lei argumentam que a Bíblia pode contribuir para valores éticos e morais, críticos alertam para o risco de exclusão e doutrinação.
Veja a nota da OAB de Vitória da Conquista:
A Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Bahia, Subseção Vitória da Conquista, expressa sua oposição à Lei Municipal no 3.029, de 1 de agosto de 2025, promulgada pela Câmara Municipal, que autoriza o emprego da Bíblia Sagrada como material didático complementar nas unidades educacionais da rede pública municipal.
A legislação em questão desconsidera a diversidade religiosa presente em Vitória da Conquista, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2022), que indicam a existência de comunidades católicas, evangélicas, espíritas, de umbanda, candomblé e sem religião. Ao priorizar a Bíblia, a lei compromete a isonomia entre cidadãos, prevista no artigo 5o, caput, da Constituição Federal, e a liberdade religiosa, assegurada no artigo 5o, inciso VI, do mesmo diploma. Precedentes do Supremo Tribunal Federal, como nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5.256/MS (2021), 5.257/RO (2018) e 5.258/AM (2021), declaram inconstitucionais disposições semelhantes por violarem a separação entre Estado e confissões religiosas.
Além das irregularidades materiais, a lei apresenta defeitos formais, ao usurpar a competência privativa da União para definir diretrizes educacionais, nos termos do artigo 22, inciso XXIV, da Constituição Federal, e ao interferir na gestão curricular, atribuição exclusiva do Poder Executivo Municipal, conforme artigo 74, inciso I, da Lei Orgânica do Município (1990). Julgados de tribunais estaduais, a exemplo do Tribunal de Justiça da Paraíba na ADI 0805997-05.2021.8.15.0000 (2022) e do Tribunal de Justiça de Santa Catarina na ADI 5025546-60.2022.8.24.0000 (2022), reforçam a invalidez de iniciativas que impõem conteúdos confessionais em ambientes escolares.
A OAB/BA – Subseção Vitória da Conquista defende a preservação do Estado laico como pilar do regime democrático, garantidor da convivência harmoniosa entre diferentes crenças e da formação educacional plural. Recomendamos a imediata contestação judicial da lei por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça da Bahia, com fundamento no artigo 134 da Constituição Estadual (1989). Convidamos a advocacia e a sociedade civil a unirem esforços na proteção dos direitos fundamentais, promovendo debates e ações que fortaleçam a laicidade e a inclusão religiosa.